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Another Border

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E Lucevan Le Stelle

A temporada de Ópera do Theatro Municipal de São Paulo
Alberto Gazale, barítono italiano, como Tonio em Pagliacci
Fotografias e texto de Renato Amoroso
São Paulo, Brasil, 2014
A convite da diretoria do Theatro Municipal fotografei a temporada de ópera de 2014. Meu pai, um grande admirador desse tipo de música, incutiu em mim uma certa admiração por Ópera, digo admiração porque é um estilo musical muito particular e um pouco difícil pra mim de gostar profundamente, mas ele me fez prestar atenção em muitos detalhes e como entusiasta que é a respeito até hoje ainda explica pra gente nos almoços de domingo uma série de particularidades dos espetáculos como se estivéssemos falando de uma novíssima obra, que na verdade foi lançada em 1840. Quando criança, em casa no chão da sala, um dos discos que eu ouvia era o Barbeiro de Sevilha que tinha na capa um cenário majestoso com uma escadaria que dava na praça onde o Fígaro declamava a tão famosa ária. Aquela proporção de cenário, tão rico, me magnetizava. Meu pai dizia que não tínhamos esse tipo de montagem aqui em função dos custos exorbitantes desses cenários, e eu pensava, " lógico, imagina ter que trazer uma praça desse tamanho com escadarias e colunas lá da Europa, fora o peso, nem cabe no avião um negócio desses”. Inocente eu não imaginava que aquilo tudo era só cenário, falso, construído e demolido infinitas vezes e que aquilo tudo ia fazer parte da minha vida no teatro e no cinema mais tarde.

Comecei minha carreira artística profissional no teatro, e até hoje tenho um encantamento muito grande não só pela arte cênica, mas por todo o espaço cênico em si. Existe uma energia nesse tipo de lugar que me fascina, os bastidores, os ensaios, as relacões pessoais, aqueles artistas muito mais complexos do que os próprios personagens que incorporam, aquele lugar que vai virando sua casa, a tensão do espetáculo ao vivo.

Dentro desse universo o Theatro Municipal é um expoente máximo, um espaço verdadeiramente sagrado e a ópera potencializa tudo isso aos berros, com sua carga dramática exagerada . Tanta energia ali depositada e compartilhada que é muito fácil sentir essa vibração quase latente, quer seja na platéia, na coxia, nos camarins, urdimento, onde for. O Municipal é um labirinto, cheio de caminhos tortuosos, passagens subterrâneas e um monte de portinhas que parecem iguais, uma abre e dá num corredor com um tenor gigante sem camisa, outra dá numa escadaria de veludo com gente elegante de taças na mão.

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No final, celebração nos diversos camarins e corredores.
Buquês gigantes, artistas, técnicos e platéia se organizando para celebrar
num bar ou restaurante e de repente o teatro está vazio novamente.

Existe um fenômeno particular nesses espetáculos ao vivo que sempre me chama a atenção. Durante a preparacão você passa dias naquele espaço e vai se sentindo em casa, tem um cantinho que você elegeu para deixar suas coisas, tem um lugar onde você encontra alguém, um lugar do café, etc, vai criando intimidade e de repente falta uma hora para o espetáculo e tudo se transforma: aparecem seguranças que nunca estiveram lá nos dias anteriores e eles começam a tentar te impedir de passar de setores, os profissionais que você conhecia agora tem urgências que não existiam antes e eles se transformaram, uns agressivos, alguns com chiliques, aparecem amigos na platéia e as vezes até nos bastidores e eles estão ali naquele lugar que é quase sua casa, mas você nem sabia que eles viriam os mundos se misturam e é um pouco confuso. O espetáculo se desenrola, muita energia durante aquelas horas, coisas inesperadas, perfomances marcantes, pra bem e pra mal até o clímax das palmas no final. Depois do encerramento, muita celebração nos diversos camarins, alguns com buquês gigantes, outros mais comedidos, outros sem flores mesmo mas com o pessoal se organizando para comemorar em algum lugar e de repente, o teatro está vazio novamente. Agora você já pode andar por todas as salas de novo sem ninguém te perguntar pelo seu crachá, e o teatro como uma usina atômica, com aquelas vibrações de máquinas de elevadores e ares condicionados, continua ali, impávido, esperando começar tudo de novo no dia seguinte para mais uma noite única e mágica.

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